Crítica: Drácula (1931)


Por: Rodrigo Carreiro no CineReporter

A primeira versão oficial de “Drácula” no cinema data de 1931. Embora o alemão “Nosferatu” tenha narrado a história completa do romance de Bram Stoker, o diretor F.W. Murnau não pôde atribuir os nomes verdadeiros a cada personagem porque não tinha os direitos de uso do livro. O estúdio Universal foi mais precavido. Pagou US$ 40 mil à viúva do escritor para poder utilizar o nome daquele que se tornaria um dos personagens mais mitológicos do século XX. O filme, que apresenta Bela Lugosi no papel do vampiro, foi o principal responsável pela imagem iconográfica do Drácula que conhecemos hoje: jovem, capa escura, comportamento sedutor.

Na verdade, o filme de Murnau fazia um retrato do vampiro bem mais fiel ao livro de Stoker. Na época em que a Universal rodou o filme, contudo, um espetáculo teatral baseado no romance havia acabado de passar pela Broadway, com enorme sucesso. O perfil do Conde Drácula como um homem galanteador, um nobre vitoriano de hábitos excêntricos, foi inspirado nesta montagem teatral, bem como o ator principal. O húngaro Bela Lugosi fez enorme lobby para ficar com o papel-título da produção, embora só tenha conseguido o intento depois da morte de Lon Chaney, um ano antes de as gravações do filme começarem. Chaney era o maior ator de horror da época e queria interpretar o vampiro, mas não teve essa chance.

O diretor de “Drácula” é Tod Browning. Funcionário-padrão da Universal, porém, Browning nunca encarou “Drácula” como um projeto pessoal. Anos depois do longa-metragem, os atores principais diriam que ele era ausência constante nos sets, e que boa parte do filme foi dirigida na verdade pelo fotógrafo alemão Karl Freund. O diretor de fotografia lendário era responsável por muitos dos clássicos do expressionismo alemão, e sua excelência na criação de ambientes cheios de contrastes violentos e sombras fortíssimas foi fundamental para o sucesso de “Drácula”. O visual do filme continua impressionando até hoje, ainda mais após a restauração do filme realizada em 1999.

Uma das seqüências mais impressionantes do projeto é a chegada do corretor Renfield (Dwight Frye, excelente) ao castelo do Conde Drácula, que o espera no alto de uma escadaria repleta de teias de aranha. Freund optou por mostrar a cena de longe, em uma tomada com poucos cortes, de modo a exibir toda a grandiosidade do cenário, com portas três vezes maiores do que a altura de um homem normal. É uma seqüência imponente e consagradora. Antes, ele já havia tratado de criar uma atmosfera tétrica, mostrando a fauna de pequenos animais que vivia nos porões decrépitos do castelo. Tatus, vespas, formigas e ratos (no filme, dublados por gambás, por exigência da censura!) parecem fugir do vampiro, graças a uma criativa montagem que mostra o morto-vivo saindo do caixão onde dorme.

O aparente desleixo de Tod Browning fica mais evidente quando é examinada a questão do tratamento sonoro do filme. Em 1931, fazia apenas quatro anos que Hollywood começara a produzir longas-metragens sonorizados. Browning não se preocupou muito com isso, limitando-se a registrar os diálogos. Os longos silêncios que dão a impressão de que o filme é mais longo existem porque praticamente não há ruídos de fundo. Em parte, a culpa do problema também deve ser creditada ao orçamento curto, conseqüência da crise que quebrou a bolsa de valores de Nova York em 1929.

Uma curiosidade interessante é que, simultaneamente ao filme de Tod Browning, uma versão em espanhol foi produzida pela Universal. O filme hispânico usava os mesmos cenários e equipamentos, com elenco e equipe técnica diferentes. Browning filmava à tarde, e o diretor George Melford assumia à noite, realizando as mesmas cenas, dia após dia. Como a versão em espanhol não era observada pelos censores, o longa-metragem pôde ousar mais, realçando as insinuações sexuais e forçando as experiências com iluminação de Karl Freund a um nível ainda mais radical. Como resultado, a versão espanhola de “Drácula” costuma ser mais elogiada pelos fãs e críticos do que o filme de Tod Browning.

Isso pouco importa, afinal: Drácula, o vampiro, deve grande parte de sua fama a “Drácula”, o filme de Tod Browning que foi responsável pelo início de uma avassaladora onda de lançamentos de horror pelos grandes estúdios de Hollywood. Dá para dizer, sem medo de errar, que se não fosse “Drácula”, não existiria a produtora Hammer, o diretor George Romero ou filmes como “O Exorcista”. O gênero deve muito a este filme – e isso precisa ser louvado.

A edição brasileira de “Drácula” é excelente, mas tem uma baixa em relação ao disco lançado nos EUA. Na Região 1, o principal bônus foi a inclusão do filme espanhol na íntegra. Se você levar em consideração os elogios quase unânimes feitos a essa versão, chegará à conclusão de que o desaparecimento desse extra, que impossibilita a chance de o espectador fazer a comparação por si mesmo, é decepcionante.

Mesmo assim, a Universal não poupou cuidados técnicos para realizar o lançamento nacional. O filme tem imagens restauradas (ainda um pouco arranhadas, mas em bom estado), trilha de áudio original (formato Dolby Digital 1.0), mais uma trilha remixada com a inclusão da trilha sonora de Philip Glass composta em 1999 e executada pelo Kronos Quartet. O historiador David Skal comparece com um comentário em áudio bastante informativo, legendado em português.

Um documentário (35 minutos) cobre os bastidores e traz interessantes seqüências da montagem muda do filme, bem como trechos da versão espanhola e entrevistas com muita gente boa, inclusive o escritor de horror Clive Baker. Galerias de fotos e pôsteres, mais notas biográficas do diretor e dos atores, completam o disco, que pode ser encontrado com duas embalagens diferentes (uma azul, trazendo o pôster original de 1931, e outra verde, com uma nova ilustração). Não se engane: é o mesmo disco, com capa diferente.
1 Response
  1. blonac Says:
    Este comentário foi removido pelo autor.

    Vesper Lynd

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